Guerrero, o povo da onça

Pin
Send
Share
Send

Seus rugidos emergiram da longa noite de tempo, que deve ter surpreendido e assustado mais de um. Sua força, sua agilidade, sua pele manchada, sua furtividade e perigosa espreita pelas selvas mesoamericanas devem ter incutido nos povos primitivos a crença em uma divindade, em uma entidade sagrada que tinha a ver com forças telúricas e fertilidade. da natureza.

Os olmecas, cuja enigmática presença em Guerrero ainda não foi totalmente esclarecida, refletiram isso em pinturas rupestres, monólitos e em múltiplas representações de cerâmica e pedra. Seu caráter mítico se projeta até os dias de hoje, quando sua figura é recriada em uma das mais abundantes produções de máscaras do país, em danças, em cerimônias agrícolas em alguns municípios, na região de La Montaña, em lugares de vários nomes. povos, em tradições e lendas. A onça (pantera onca) tornou-se assim, com o passar do tempo, um símbolo emblemático do povo guerrero.

OS ANTECEDENTES OLMEC

Um milênio antes de nossa era, no mesmo período em que floresceu a chamada cultura materna na região metropolitana (Veracruz e Tabasco), o mesmo aconteceu em terras guerrero. A descoberta, há três décadas, do sítio de Teopantecuanitlán (Lugar do templo dos tigres), no município de Copalillo, confirmou a datação e a periodicidade já atribuídas à presença olmeca em Guerrero, com base nos achados dois locais anteriores com pinturas rupestres: a caverna de Juxtlahuaca no município de Mochitlán, e a caverna de Oxtotitlan no município de Chilapa. Em todos esses lugares a presença do jaguar é evidente. No primeiro, quatro grandes monólitos têm as características típicas do tabby do estilo olmeca mais refinado; nos dois sítios com pintura rupestre encontramos várias manifestações da figura do jaguar. Em Juxtlahuaca, em um local localizado a 1.200 m da entrada da caverna, é pintada uma figura de onça que aparece associada a outra entidade de grande importância na cosmogonia mesoamericana: a serpente. Em outro lugar dentro do mesmo recinto, um grande personagem vestido de pele de onça nas mãos, antebraços e pernas, bem como em sua capa e o que parece ser a tanga, aparece ereto, imponente, diante de outra pessoa ajoelhada à sua frente.

Em Oxtotitlan, a figura principal, representando uma grande personagem, está sentada num trono em forma de boca de tigre ou monstro da terra, numa associação que sugere a vinculação da casta governante ou sacerdotal às entidades míticas sagradas. Para o arqueólogo David Grove, que relatou esses vestígios, a cena ali retratada parece ter um significado iconográfico relacionado à chuva, água e fertilidade. Também a chamada figura 1-D, dentro do mesmo sítio, tem importância singular na iconografia deste grupo pré-hispânico: um personagem com traços tipicamente olmecas, de pé, está atrás de um jaguar, na possível representação de uma cópula. Esta pintura sugere, segundo o referido autor, a ideia de uma união sexual entre homem e onça, numa alegoria profunda das origens míticas desse povo.

O JAGUAR NOS CÓDEXOS

Desde estes primeiros antecedentes, a presença da onça continuou em múltiplas estatuetas lapidárias, de proveniência incerta, o que levou Miguel Covarrubias a propor Guerrero como um dos sítios de origem olmeca. Outro dos momentos históricos importantes em que a figura da onça foi capturada foi no início do período colonial, dentro dos códices (documentos pictográficos nos quais foram registradas a história e a cultura de muitos dos atuais povos Guerrero). Uma das primeiras referências é a figura do guerreiro tigre que aparece na Tela 1 de Chiepetlan, onde podem ser observadas cenas de combates entre os Tlapaneca e os Mexicas, que antecederam o seu domínio da região Tlapa-Tlachinollan. Ainda neste grupo de códices, o número V, de fabricação colonial (1696), contém um motivo heráldico, copiado de um documento oficial espanhol, com a representação de dois leões. A reinterpretação do tlacuilo (aquele que pinta os códices) refletia duas onças, já que tigres não eram conhecidos na América, em um claro estilo indígena.

No fólio 26 do Azoyú Codex 1 aparece um indivíduo com máscara de onça, devorando outro assunto. A cena aparece associada à entronização do Sr. Serpente Turquesa, no ano de 1477.

Outro grupo de códices, de Cualac, relatado por Florencia Jacobs Müller em 1958, foi produzido no final do século XVI. No centro da placa 4 encontramos um casal. O macho carrega um bastão de comando e está sentado em uma caverna, que tem a figura de um animal, um felino, associada a ela. Segundo a pesquisadora, trata-se da representação do local de origem do solar Cototolapan. Como é comum dentro de uma tradição mesoamericana, encontramos aí a associação de elementos de origem da onça-caverna. Na parte inferior da cena geral daquele documento, aparecem duas onças. No Lienzo de Aztatepec y Zitlaltepeco Codex de las Vejaciones, em sua porção superior esquerda aparecem os motivos do jaguar e da serpente. No final do Mapa Zapotitlan de Santiago (século XVIII, baseado em um original de 1537), uma onça-pintada aparece na configuração do glifo Tecuantepec.

DANÇAS, MÁSCARAS e TEPONAXTE

Como resultado desses antecedentes histórico-culturais, a figura do jaguar vai se amalgamando e se confundindo com a do tigre, razão pela qual suas várias manifestações agora recebem o nome deste felino, mesmo quando a imagem do jaguar está subjacente ao fundo. Hoje, em Guerrero, nas múltiplas expressões do folclore e da cultura em que o felino se manifesta, a persistência de formas de dança em que a presença do tigre ainda é evidente, é um indicador dessa raiz.

A dança do tecuani (tigre) é praticada em quase toda a geografia do estado, adquirindo algumas modalidades locais e regionais. O praticado na região de La Montaña é da chamada variante Coatetelco. Também recebe o nome de "Tlacololeros". O enredo desta dança ocorre no contexto da pecuária, que deve ter se enraizado em Guerrero na época colonial. O tigre-onça surge como um animal perigoso que pode dizimar rebanhos, para o qual Salvador ou Salvadorche, o fazendeiro, confia a seu ajudante, Mayeso, a caça da fera. Como ele não pode matá-la, outros personagens vêm em seu auxílio (o velho flechero, o velho lanceiro, o velho cacahi e o velho xohuaxclero). Quando também falham, Mayeso chama o velho (com seus bons cachorros, entre os quais está o cachorro Maravilla) e Juan Tirador, que traz suas boas armas. Finalmente, eles conseguem matá-lo, evitando assim o perigo para os animais do proprietário.

Nessa trama, uma metáfora para a colonização espanhola e a subjugação de grupos indígenas pode ser vista, uma vez que os tecuani representam os poderes “selvagens” dos conquistados, que ameaçam uma das muitas atividades econômicas que eram privilégio dos conquistadores. Ao consumar a morte do felino, o domínio dos espanhóis sobre os indígenas é reafirmado.

No extenso âmbito geográfico desta dança, diremos que no Apango os chicotes ou chirriones dos tlacoleros são diferentes dos de outras populações. Em Chichihualco, as roupas são um pouco diferentes e os chapéus são cobertos com zempalxóchitl. Em Quechultenango a dança é chamada de "Capoteros". Em Chialapa recebeu o nome de "Zoyacapoteros", em alusão às mantas zoyate com que os camponeses se cobriam da chuva. Em Apaxtla de Castrejón “a dança tecuán é perigosa e ousada porque envolve passar uma corda, como um equilibrista de circo e a grande altura. É o Tecuán que atravessa vinhas e árvores como se fosse um tigre que volta com a barriga cheia do gado de Salvadochi, o homem rico da tribo ”(Assim somos, ano 3, nº 62, IV / 15/1994).

Em Coatepec de los Costales a variante chamada Iguala é dançada. No Costa Chica, dança semelhante é dançada entre os povos amuzgos e mestiços, da qual também participam os tecuani. Esta é a dança chamada "Tlaminques". Nele, o tigre sobe nas árvores, nas palmeiras e na torre da igreja (como também acontece na festa Teopancalaquis, em Zitlala). Existem outras danças em que a onça aparece, entre as quais a dança dos Tejorones, natural da Costa Chica, e a dança dos Maizos.

Associada à dança do tigre e outras expressões folclóricas dos tecuani, havia uma produção de máscaras entre as mais abundantes do país (junto com Michoacán). Actualmente desenvolve-se uma produção ornamental, em que o felino continua a ser um dos motivos recorrentes. Outra expressão interessante associada à figura do tigre é o uso do teponaxtli como instrumento de acompanhamento de procissões, rituais e eventos correlatos. Nos povoados de Zitlala, cabeceira do município de mesmo nome, e Ayahualulco -do município de Chilapa- o instrumento possui uma face de tigre esculpida em uma de suas pontas, o que reafirma o papel simbólico do tigre-onça nos eventos relevantes dentro do ciclo ritual ou festivo.

O TIGRE EM RITOS AGRÍCOLAS

La Tigrada em Chilapa

Mesmo quando é realizado dentro do período em que os ritos de garantia ou fertilidade começam a ser realizados para a colheita (primeira quinzena de agosto), o tigre não aparece intimamente ligado ao ritual agrícola, embora seja possível que em suas origens o estivesse. Termina no dia 15, dia da Virgem da Assunção, padroeira de Chilapa durante parte do período colonial (a cidade era originalmente chamada de Santa María de la Asunción Chilapa). A tigrada já existe há muito tempo, tanto que os mais velhos de Chilapa já a conheciam na juventude. Passará uma década desde que o costume começou a declinar, mas graças ao interesse e promoção de um grupo de entusiastas chilapeños interessados ​​em preservar suas tradições, a tigrada ganhou novo vigor. A tigrada começa no final de julho e vai até 15 de agosto, quando acontece a festa da Virgen de la Asunción. O evento é composto por grupos de jovens e velhos, vestidos de tigres, vagando em manadas pelas principais ruas da cidade, hesitando as meninas e assustando as crianças. Ao passarem, eles emitem um rugido gutural. A junção de vários tigres em um grupo, a força de suas vestimentas e suas máscaras, a que se soma seu berro e que, às vezes, arrastam uma pesada corrente, deve ser imponente o suficiente para que muitas crianças entrem em pânico literalmente. antes de sua etapa. Os mais velhos, com desdém, apenas os pegam no colo ou tentam dizer que são cariocas disfarçados, mas a explicação não convence os mais pequenos, que tentam fugir. Parece que o confronto com os tigres é um transe difícil por que passaram todas as crianças de Chilapeño. Já crescidos ou encorajados, os meninos “lutam” com os tigres, dando gritos com a mão na boca e provocando-os, cutucando-os, aos gritos: “Tigre amarelo, cara de gambá”; "Tigre manso, cara de grão-de-bico"; “Tigre sem rabo, cara de sua tia Bartola”; "Aquele tigre não faz nada, aquele tigre não faz nada." A tigrada atinge o seu clímax com a aproximação do dia 15. Nas tardes quentes de agosto, bandos de tigres podem ser vistos correndo pelas ruas da cidade, perseguindo os jovens, que correm loucamente, fugindo deles. Hoje, dia 15 de agosto, faz-se uma procissão com carros alegóricos (carros vestidos, como os chamam os locais), com representações da Virgem da Assunção e com a presença de grupos de tigres (tecuanis) vindos de cidades vizinhas, para tentar expor à população uma série das várias expressões dos tecuani (os tigres de Zitlala, Quechultenango, etc.).

Forma semelhante à tigrada é a que ocorre durante a festa patronal de Olinalá no dia 4 de outubro. Os tigres saem às ruas para perseguir meninos e meninas. Um dos principais eventos é a procissão, na qual os Olinaltecos carregam oferendas ou arranjos onde se destacam os produtos da colheita (pimentões, principalmente). A máscara do tigre em Olinalá é diferente da de Chilapa, e esta, por sua vez, é diferente da de Zitlala, ou Acatlán. Pode-se dizer que cada região ou cidade imprime uma marca particular em suas máscaras felinas, o que não deixa de ter implicações iconográficas quanto ao motivo dessas diferenças.

Fonte: Desconhecido México No. 272 ​​/ outubro 1999

Pin
Send
Share
Send

Vídeo: #Jingles2020: Guerreiro do povo - Pedro Paraibano MDB - Pedra BrancaCE (Pode 2024).